quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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Festa do Armando

Armando, Armando. Sentado na cadeira de vime, novinha e confortável, olhava profundamente pela janela. Parado e vislumbrando a paisagem, já sem muita nitidez, devido à poluição dos tempos, nos olhos e no ar. Calado, impossibilitado de um som sequer. As cordas vocais já não podiam dar altos, nem baixos. Reflexo dos tempos passados, dos gritos evocados constantemente na transportadora.

Homem exemplar, empresário vencedor, maduro, pai de três moças adultas. Estava há 16 anos no ramo de transportes e como em todos os anos começava já no segundo semestre a preparar a (bendita) festa de fim de ano da empresa.

A festa era grande, afinal de contas era para todos os funcionários da transportadora, do faxineiro ao diretor comercial.

Armando, Armando. Adorava uma farra. E é claro, sempre regada à muita cerveja, comes e um bom pagode para o pessoal sacudir o esqueleto.
É bem nessas horas que Armando aproveitava para fazer seus discursos, agradecendo aos colaboradores pelo empenho efetuado durante o ano e ressaltando o quanto era importante a união de todos para o sucesso não só da empresa, mas de cada um que estava presente ali.

Naquele ano, Dona Lúcia, supervisora do despache das encomendas, se atracou em pleno discurso do patrão com uma subordinada e a demitiu porque a viu beijando seu “bilisco”, o Zé encarregado da frota de caminhões.

Armando se desligava completamente nas horas de lazer que a festança proporcionava, curtindo cada minuto da alegria e integração do pessoal. E tomava pra si que não deveria se preocupar com os barracos em plena folia. De volta ao expediente ele resolveria isso. Afinal, essas coisas podem acontecer em qualquer lugar.

Mas a Catarina, que leva para ele todo o santo dia o seu cafezinho amargo, fica possuída porque o Zé é seu marido. Pediu a demissão da dona Lúcia e da Gisele, se não ela faria um “montim” com sua família (que diga-se de passagem, trabalha em peso na transportadora) e todos iriam pedir as contas.

Foi neste instante que, percebendo que a cada ano a bagunça e os conflitos ficavam piores em suas festas, o senhor Armando lembrou-se do responsável pela “comunicação” da empresa. Chamava-se Gilberto, um homem meio estranho e que ele não entendia muito bem o que fazia, mas que deveria ajudar, pois sempre esteve pronto com palavras e ações para a transportadora.

Ao questionar à sua secretária sobre o contato do “comunicador”, esta responde: Ah! O Sr. Gilberto não trabalha mais para nós há seis meses.

Triste Armando, Armando. Ninguém mais ouve sua voz. Suas cordas vocais lhe calam. Da mesma forma que calou o Gilberto quando este apresentou seu plano de comunicação no ano passado. Menosprezou o trabalho de Gilberto. Como seus antigos gritos, a comunicação da transportadora já não encontrava ressonância em momentos instantâneos.

Armando, Armando. Voltou a olhar para a janela e a contemplar o céu cinzento, poluído, como as lembranças das festas de todo ano e do tal plano de comunicação que nunca dera valor. Uma comunicação que nunca fez parte do cerne da sua empresa.

Por Aline Pires

4 comentários:

Beto Agostini disse...

Parabens Aline, continue assim hein, valeu a pena ler tudo.

  disse...

Muito obrigada Beto! Realmente fiquei muito feliz que tenha gostado do texto!

Anônimo disse...

Muito bom texto! Claríssimo de como a comunicação faz falta numa empresa, comunicação e educação! rs

Parabéns Aline!
Beijos!
Alcy

  disse...

Muito obrigada Alcy! Fiquei muito contente com o comentário, afinal, você também revisa alguns textos meus...rs

Beijos!